Monday, January 22, 2007

Poder sem responsabilidade

A primeira e única vez que estive em Barcelona tive uma sensação que a cidade me tinha reconhecido e que eu também a reconheci. Nada e tudo surpreendia-me ao mesmo tempo. Conhecia e desconhecia tudo, mas sentia-me em casa.

Mas o que surpreendeu mais o meu pensamento e nele ficou foi uma frase que vi no portão da Sagrada Família. Dizia em catalão – I què és la veritat?

O meu cérebro agarrou-se à pergunta. O que será a verdade? Aquilo em que acreditamos ou aquilo que continua a existir, mesmo se não vemos e não acreditamos? Pensei então noutra pergunta – porquê ignoramos a verdade?, porque é que nos convém não ver umas coisas e ver outras?

A humanidade teve a energia e conhecimento suficientes para adquirir um poder imenso. Igual ou superior às forças da própria natureza. Não há dúvidas que a actividade humana causa efeitos a nível planetário. Mas ao mesmo tempo a humanidade não teve – e continua a não ter – a maturidade para tomar responsabilidade por aquilo que faz. Nem para se tornar sábia, nem para sobreviver.

A mulher que amo diz que a humanidade precisa de um milagre. Ou de uma catástrofe, respondo eu. Uma coisa evitaria a outra.

Estamos a matar-nos uns aos outros. Vivemos no conforto do Ocidente enquanto no resto do mundo milhões de pessoas morrem de fome, de doenças e de guerras, conduzidas em nome de muitos dos nossos ideais e às vezes em nosso nome também.

Mas continuamos sem querer aceitar essa realidade.

Também causamos danos irreversíveis à única casa que temos – o nosso planeta. Os carros, aviões, fábricas e muitas outras invenções da nossa dita civilização – industrial e consumidora sem limites – está a matar a Terra. 20% da população mundial consome 80% dos recursos do planeta.

Mas continuamos sem querer aceitar essa realidade.

Continuamos a viver em sociedades baseadas em ideias caducas do século XIX. E isto em pleno XXI. Fechamos os olhos perante a verdade e escondemo-nos por trás de um conceito artificial a que chamamos “ser politicamente correctos”. Jorge Palma dizia: “Somos todos escravos do que precisamos. Reduz as necessidades, se queres passar bem.” Continuamos a viver com as ideias dos nossos avós, apesar de nos sentirmos cada vez mais desconfortáveis com elas. Rejeitamos conceitos e ideias novas por não alinharem com o que nos foi ensinado “ser bom”. Nunca estamos contentes com o que temos, mas não fazemos nada para ter o que desejamos.

Mas continuamos sem querer aceitar essa realidade.

Se não abrirmos os olhos já, não teremos o tal milagre, mas sim – uma catástrofe, à qual talvez só a Terra sobreviverá.

Esquecemo-nos das nossas responsabilidades. Não basta os cientistas pintarem cenários de fim de mundo cada vez mais trágicos. Agora já os economistas estão quase a gritar que é preciso agir imediatamente, se não ainda ontem, para conseguir salvar não só o estilo de vida que temos e do qual gozamos, mas a própria vida. Tanto dos seres humanos como do planeta em que vivemos.

Gostamos tanto das nossas vidas “civilizadas” que nem sequer nos passa pela cabeça que para muitos outros seres humanos a verdade é que consideram um luxo muitas das coisas que nós temos por dadas. Mesmo algo tão básico e essencial como a agua ou um lugar para dormir.

Eu duvido que termos o poder que temos não nos obriga a tomar responsabilidade de como o utilizamos. Duvido que estejamos neste mundo para nos enriquecermos de bens materiais uns à custa dos outros e do nosso planeta. Não se pode construir um sótão com tijolos tirados à cave. Duvido que algo que não seja beneficial para todos possa ser de verdade beneficial para alguns. Somos todos parte do mesmo universo, e quando sofre um, sofremos todos. Quando aleijamos um dedo não é só o dedo que se sente mal...

Estas críticas não vêm de eu não gostar do mundo. Antes pelo contrário – este mundo é um mundo fantástico e cheio de oportunidades e de coisas belas. Mas gostaria que todos tivessem acesso a esta riqueza que é o universo em que vivemos. Eu acredito no mundo por haver nele esta beleza e esta gente que aos poucos vai à procura dela e de fazer este mundo melhor não só para si próprios mas para todos. É só por causa dessas pessoas vivas, que não se esquecem que a vida é para ser vivida, que a humanidade ainda não se destruiu e continua a avançar, como continua a ser construída a fantástica Sagrada Família. Graças àqueles que acreditam que é possível, que tem poder e responsabilidade.

Será esta a verdade?